O MPLA pertence à Internacional Socialista. O português PS também. Ana Gomes é uma eurodeputada do PS que, contudo, tem mostrado que o rei Eduardo dos Santos e o seu regime vão nus.
Por Orlando Castro
A Internacional Socialista (IS), mau grado uma ou outra voz discordante, continua na posição em que mais gosta de estar e que, aliás, parece estar no seu ADN: de cócoras perante as ditaduras ricas de África.
E assim sendo, há pouco mais de um ano não se cansou de elogiar o MPLA, mesmo sabendo que o regime está no topo dos mais corruptos e violadores dos direitos humanos, entre outras “qualidades”, atribuindo-lhe os méritos de uma não só boa como exemplar governação.
Não fosse o drama do Povo e até seria uma anedota simpática. Não deixa, contudo, de ser uma eficiente operação de branqueamento.
A informação sobre este reconhecimento da IS foi exponenciada na altura pelo vice-presidente do MPLA, Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”, que participou no Conselho da Internacional Socialista.
“A internacional Socialista segue com muita atenção e satisfação os progressos de Angola e reconhece que os avanços são reflexos da boa governação do partido no poder” – sublinhou, adiantando que a organização está muito satisfeita com o trabalho do MPLA de uma forma geral.
O também secretário-geral do MPLA, referiu, entretanto, que os membros da Internacional Socialista destacaram positivamente a organização e estruturação do seu partido, o que o anima a continuar a trabalhar com a mesma determinação e fortalecer-se cada vez mais. O que significa trabalhar para os (seus) poucos que têm milhões, esquecendo os milhões que têm pouco ou… nada.
A Internacional Socialista foi fundada em 1951. Está sediada em Londres, Inglaterra, congrega 168 partidos social-democratas, socialistas e trabalhistas, ex-marxistas-leninistas, autocráticos, ditatoriais e similares desde que estejam no poder e tenham riquezas substanciais, pouco importando que sejam roubadas ao Povo. Cerca de 60 dos seus filiados estão no Governo dos seus países.
No regime político português, o MPLA colhe apoios na (quase) totalidade do espectro partidário. Desde o Partido Comunista, de quem recebeu o poder aquando da independência, à maioria governamental, social-democrata e democrata cristã. Está ainda fortemente irmanado com o Partido Socialista, seu parceiro na Internacional Socialista, bajulador de primeira linha e invertebrado há longos anos.
E é assim um pouco por todo o mundo. Já em 1979 Margaret Thatcher proibiu o seu enviado especial à então Rodésia de se encontrar com Robert Mugabe, justificando que “não se discute com terroristas antes de eles serem primeiros-ministros”.
E eis que, por exemplo, José Eduardo dos Santos, também líder do MPLA, foi recebido recentemente com honras militares no Palácio do Eliseu, em Paris, pelo homólogo francês e camarada na Internacional Socialista, François Hollande.
A visita, doze anos depois do caso “Angolagate”, relançou a cooperação socialista na estratégia de limpeza de imagem e de branqueamento de um regime politicamente moribundo mas economicamente pujante.
François Hollande e o seu Partido Socialista estão apenas interessados que as petrolíferas francesas, entre outras empresas, regressam rapidamente e em força a Angola, do que em se preocupar com os valores éticos em que se baseia a própria França. Paris acha, à luz desses valores éticos e apesar de ter engavetado o socialismo, que Eduardo dos Santos é uma besta. Mas quando olha para a economia, substitui a palavra besta por bestial.
Só por mero desconhecimento dos elogios da IS ao MPLA é que a organização não governamental Corruption Watch condena a decisão da Suíça de não reabrir o caso “Angolagate”, uma decisão que põe em causa a vontade das autoridades suíças de acabar com o crime financeiro.
“Obviamente, tanto nós, Corruption Watch, no Reino Unido, como a Associação Mãos Livres, em Angola, estamos extremamente desapontados e surpresos perante esta decisão”, disse na altura o seu director, Andrew Feinstein.
Recorde-se que, em Abril de 2013, um relatório intitulado “O acordo corrupto de dívida Angola-Rússia” serviu de base a uma denúncia penal, agora descartada pelo Ministério Público suíço, que considera que esta denúncia [de cidadãos angolanos e da Corruption Watch] não apresenta nenhum elemento novo que justifique uma reabertura do procedimento”.
A razão é, contudo, outra. Tudo se deve ao facto de o caso criar uma série de dificuldades em relação a informações adicionais sobre correntes de dinheiro que podem estar ligadas à corrupção através de contas bancárias suíças.
Apesar de o Ministério Público suíço alegar a inexistência de novos elementos que justifiquem a reabertura do processo, a Corruption Watch garantia que foram apresentadas questões que não estavam disponíveis na altura dos mais recentes procedimentos penais do Ministério Público de Genebra, em 2010.
Aliás, um dos protagonistas do “Angolagate” terá aberto contas bancárias em Chipre, através das quais fez elevadas transferências de dinheiro, desconhecidas tanto pelo tribunal de Genebra como pelos seus próprios parceiros de negócio, que o terão processado duas vezes fora da Suíça.
Relembre-se que, por exemplo, o partido fundado por Hosni Mubarak, durante décadas no poder, está integrado na Internacional Socialista, sendo por isso, como já em 2011 lembrava o especialista angolano Eugénio Costa Almeida, “interessante ver como muitos partidos ditos democráticos, mas com práticas bem autocratas e ditatoriais e no poder há muitos anos, alguns há mesmo mais de vinte anos, são aliados ou associados da Internacional Socialista.”
Angola é uma ditadura? Formalmente não, de facto sim. Mas o que é que isso importa à Internacional Socialista? A esta organização – como à CPLP, à UA, à ONU – só interessa saber se tem petróleo. Se tem, e tem muito, coisas menores como os direitos humanos, a democracia, a liberdade, a cidadania, a justiça social são mesmo isso – menores.
“Dino Matrosse” bem poderia perguntar: Se a Tunísia, tal como a Argélia, o Egipto, a Líbia, a Venezuela ou a China, podem ser os grandes parceiros do socialismo, mesmo que os seus líderes sejam hoje bestiais e amanhã umas bestas, por que carga de chuva não se poderá dar o mesmo estatuto a Angola e ao MPLA?
Como diz o MPLA, seja pela boca dos seus dirigentes ou através dos sipaios do Jornal de Angola, ninguém dá crédito a partidos como o português Bloco de Esquerda que, entre outras coisas, acusou o Governo de Lisboa de admirar “tiranos” e de se remeter a “silêncios” em matéria de política externa.
É de crer que, em Fevereiro de 2011, o Bloco de Esquerda exagerou um pouco ao dizer que Muammar Kadhafi, Hugo Chávez, Ben Ali ou José Eduardo dos Santos são uns tiranos. Exagero porque peca por… defeito. Numa declaração política no plenário da Assembleia da República, o então deputado bloquista José Manuel Pureza começou por condenar as “exibições de barbárie” verificadas na Líbia e acusou a Europa de “desertar da luta pelos direitos humanos”, referindo-se depois especificamente ao Governo português.